CAMINHOS PARA A INCLUSÃO SOCIAL: A CONSTRUÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE ESPORTE COMO AGENTE TRANSFORMADOR

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RESUMO      

Este estudo se propõe a abordar a temática da construção de políticas públicas direcionadas ao esporte como mecanismo de transformação social por meio da inclusão. Os estudos sobre políticas públicas de esporte e lazer no Brasil remontam à década de 80, embora a estrutura política administrativa nacional dedicada ao tema tenha sido criada na década de 30 com a intenção de construir e difundir o nacionalismo. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o esporte passa a ser considerado como direito social e dever do Estado, sendo que a criação do Ministério do Esporte é muito mais recente, no ano de 2003, abrindo caminho para a criação de políticas públicas direcionadas especificamente para este setor. Atualmente, o Brasil conta com vários tipos de programas e projetos sociais na área do esporte, por iniciativa da Secretaria Nacional de Esporte, Educação, Lazer e Inclusão Social (SNELIS), à exemplo do Programa Segundo Tempo e Esporte e Lazer na Cidade, que representam uma oportunidade de promoção da inclusão social, melhoria da educação e resgate da cidadania. Os projetos sociais relacionados ao esporte também estão presentes nas iniciativas não governamentais, que tem por objetivo as necessidades de desenvolvimento social. Além disso, o esporte no Brasil tem ganhado um destaque maior pelos eventos internacionais que sediou, dentre eles os Jogos Pan-Americanos e Parapan-americanos, bem como os jogos militares de 2011, a Copa das Confederações de 2013 e a Copa do Mundo de 2014. Dentro deste contexto foram realizadas as Confederações Nacionais do Esporte de 2004, 2007 e 2010, objetivando entre outras coisas a democratização do esporte e a participação popular, bem como a criação do Centro de Desenvolvimento do Esporte e do Lazer (Rede Cedes), com a proposta de gerir as políticas públicas dedicadas ao esporte e lazer apoiado em estudos acadêmicos, e a criação da Rede de Treinamento, criada em 2011, cuja proposta é interligar toda a infraestrutura do país. Partindo destas considerações, buscando atender ao objetivo da pesquisa, discutir a importância das políticas públicas como agente transformador por meio da inclusão social, propôs-se a realização de uma revisão de literatura sobre o tema, na forma de pesquisa bibliográfica exploratória e descritiva. Para este fim, foram utilizadas as palavras chave “políticas públicas” AND “esporte” AND “inclusão social” no banco de dados do Google Acadêmico e SciELO, visando acessar artigos e monografias disponíveis na íntegra, em lingua portuguesa e que sejam pertinentes com o tema da criação de políticas publicas direcionadas ao esporte como instrumento de transformação por meio da inclusão social.

MARCELO ANTONIO DINIZ RESENDE MACHADO

Palavras-chave: Atividades de Lazer. Direitos. Esporte. Inclusão Social. Política Pública. 

INTRODUÇÃO

CONTEXTUALIZAÇÃO

Simionato, Miranda, Verner e Torrecilhas (2022) argumentam que foi a partir da manifestação das habilidades do homem para a sobrevivência que o esporte foi evoluindo na sociedade e dentro desse contexto, o desporto se tornou essencial para a humanidade, não apenas enquanto atividade física, mas como conduta humana que tem por objetivo a inclusão social e o desenvolvimento de habilidades à exemplo de iniciativa, perseverança, intensidade e busca do aperfeiçoamento. 

O que motivou a necessidade de regulamentar esta prática. De acordo com Pereira & Valim (2019) existem setores reconhecidos pelo Estado como objeto de domínio público, entretanto, são considerados como sendo de pouca relevância comparativamente a outros setores que são essenciais à sobrevivência humana e a vida em sociedade, como saúde, educação ou transporte. Gerando uma situação em que ocorre uma conduta omissiva em relação aos temas caros ao esporte, ao lazer e a cultura. 

Se anteriormente ao retorno do regime democrático apenas o aspecto do rendimento esportivo era encarado com a devida seriedade por parte do Estado, com o retorno da democracia no Brasil são apresentadas novas dimensões, como o esporte educacional e o esporte social (Parreira & Valim, 2019). Simionato et al (2022) afirma que foi a partir da CF-1988 que o desporto se consolidou enquanto direito social, ficando declarado como dever do Estado fomentar o desporto por meio de políticas públicas, de forma a proporcionar a inclusão social e o lazer. Entretanto, Pereira & Valim (2019) acreditam que mesmo que o esporte e o lazer tenham sido considerados como direitos sociais e fundamentais ao exercício da cidadania, são frequentemente deixados em segundo plano, comparativamente às áreas da saúde, educação e segurança pública.

De acordo com Cárdenas, Freire, Pumariega & Torres (2022) a legislação vigente reconhece três manifestações especificas do esporte, sendo elas o Esporte Educacional, praticado nos sistemas de ensino no Brasil e também em formas assistemáticas de educação, cujo objetivo é promover o desenvolvimento integral do indivíduo e a formação para o exercício da cidadania, bem como fomentar a prática do lazer esportivo. 

O Esporte Participação, remete principalmente a recreação e ao lazer, sendo praticado de maneira voluntária e é praticado por meio de atividades esportivas diversas, tendo por objetivo principal contribuir para a integração dos sujeitos na plenitude da vida social, bem como para a promoção e manutenção da saúde, e também para a conscientização acerca da preservação do Meio Ambiente. Portanto, se trata de uma manifestação esportiva fundamentalmente democrática e que está ao alcance de todos, independente de aptidão física (Cárdenas, Freire, Pumariega & Torres, 2022). 

Por fim, o Esporte de Rendimento, ao contrário daquele destinado ao lazer, requer o respeito a regras internacionais e nacionais que delimitam a prática esportiva, com o objetivo de obter resultados e premiações em competições, e também de integrar pessoas e comunidades nacionalmente e internacionalmente (Cárdenas et al, 2022). E a manutenção do rendimento esportivo e a participação em competições nacionais e internacionais é algo que requer investimento, circunstância em relação a qual as políticas públicas tem papel fundamental. 

De acordo com Da Silva, Silva e Sampaio (2018) não existe um consenso em relação ao conceito de política pública, podendo ser descrito como a ação do estado em um determinado setor da sociedade, embora haja espaço para a atuação do setor privado e do terceiro setor nesse contexto. Além disso, compreende-se que as políticas públicas estão associadas a uma atuação em favor do bem comum, sendo que no que diz respeito às políticas públicas de esporte e lazer, é importante ter em mente a noção de que o esporte e o lazer são direitos previstos em lei. Portanto, as políticas públicas não devem ser direcionadas somente ao Esporte de Rendimento, ou apenas ao Esporte Recreativo. 

Barra & Vitorino (2022) descrevem como exemplos de políticas públicas neste âmbito, por iniciativa da Secretaria Nacional de Esporte, Educação, Lazer e Inclusão Social (SNELIS) o Programa Segundo Tempo, Segundo Tempo na Escola, Recreio nas Férias e Esporte e Lazer da Cidade. Programas que objetivam, entre outras coisas, a inclusão social, a melhoria qualitativa da educação e o resgate da cidadania. Entretanto, Simionato et al (2022) acreditam que apesar de o esporte ser de grande importância para a vida humana, a regulamentação jurídica atual ainda é incipente sobre a questão e poderia fazer mais para reforçar esta importância, justificando um aprofundamento sobre a questão. 

Este estudo se propõe a abordar a temática da construção de políticas públicas direcionadas ao esporte como mecanismo de transformação social por meio da inclusão. A relevância da pesquisa se justifica pela oportunidade de atualizar o que vem sendo discutido sobre o tema, considerando que autores como Barra & Vitorino (2022) acreditam que um volume muito reduzido de estudos tem sido publicado sobre as políticas públicas em matéria de amplitude e efetividade. Portanto, compreende-se que a expansão de estudos neste âmbito se justifica ao representar uma possibilidade de tomada de consciência acerca da importância das políticas públicas para a transformação social por meio da inclusão, e também para representar um apoio à tomada de decisão. 

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Tipo, local e período da pesquisa

Este estudo se propõe a discutir a importância das políticas públicas como agente transformador por meio da inclusão social. E para este fim, propôs-se a realização de uma revisão de literatura sobre o tema, na forma de pesquisa bibliográfica exploratória e descritiva. Goldenberg (1997) defende a importância de se delimitar uma abordagem metodológica na elaboração de uma pesquisa científica, ao entender que seus desdobramentos são geralmente imprevisíveis. Gerhardt e Silveira (2009) descrevem metodologia como o estudo da organização e dos caminhos a serem utilizados na realização de uma pesquisa ou estudo. 

Nesta pesquisa, são seguidas as etapas propostas por Silva e Menezes (2005), incluindo escolha do tema, formulação do problema, definição de objetivos, metodologia, coleta de dados, análise e discussão dos resultados, e, por fim, a conclusão. A abordagem utilizada é qualitativa, explorando, analisando, descrevendo e discutindo os resultados encontrados. Os próximos tópicos descrevem mais detalhadamente os procedimentos metodológicos adotados.

Quanto à natureza da pesquisa

Em se tratando da natureza da pesquisa, compreende-se que ela possui os contornos de uma pesquisa básica, pois trata de conhecimentos que se mostram úteis para a ciência como um todo, e envolve verdades e interesses universais, como é o caso da construção de políticas públicas direcionadas ao esporte (Gerhardt & Silveira, 2009). 

Quanto à forma de abordagem do problema

A partir do momento em que ficou estabelecido que esta pesquisa trataria da questão da importância das políticas públicas como agente transformador por meio da inclusão social, propôs-se a realização de uma pesquisa qualitativa, cuja diferença em relação a pesquisa quantitativa, é o espaço que é dado para a interpretação de um determinado fenômeno por parte do pesquisador, ao passo que a pesquisa quantitativa se baseia em dados de ordem numérica, não restando margem para especulação (Pereira, Shitsuka, Parreira & Shitsuka, 2018). Portanto, o que deve ficar claro é que a pesquisa qualitativa lida com aspectos da realidade que não podem ser quantificados, embora estas duas modalidades de pesquisa não são mutuamente excludentes, podendo ser utilizadas em conjunto (Pereira, Shitsuka, Parreira & Shitsuka, 2018).

Quanto aos fins

Conforme Gil (2007) o propósito da pesquisa exploratória é gerar maior familiaridade em relação ao tema que está sendo objeto de análise, com a finalidade de evidenciá-lo ou proporcionar o desenvolvimento de novas hipóteses. Fonseca e Moraes (2002) relatam que na pesquisa exploratória são recolhidos dados que contribuem para tomadas de decisão por parte do pesquisador acerca dos próximos passos a serem dados no projeto como um todo.

Quanto aos meios

Uma revisão de literatura, também chamada de pesquisa bibliográfica tem o objetivo de apresentar o que vem sendo discutido em relação a um objeto de estudo, como resultado das etapas de busca, análise e descrição de conhecimentos obtidos em literatura especializada que pode ser encontrada em meios físicos e digitais, na forma de livros, artigos e endereços eletrônicos (Fonseca & Moraes, 2002), e como resultado, pode contribuir para gerar respostas para um determinado problema, bem como identificar oportunidades de novas linhas de pesquisa.

Critérios de inclusão e exclusão

Buscando atender aos objetivos da pesquisa, foram utilizadas as palavras chave “políticas públicas” AND “esporte” AND “inclusão social” no banco de dados do Google Acadêmico e SciELO. Como critérios de inclusão foram declarados artigos e monografias disponíveis na íntegra, em lingua portuguesa e que sejam pertinentes com o tema da criação de políticas publicas direcionadas ao esporte como instrumento de transformação por meio da inclusão social. 

Além disso, estas publicações precisam ter sido disponibilizadas ao público nos últimos cinco anos. Portanto, os critérios de exclusão remetem a publicações que não tem pertinência com o objeto de estudo, foram publicadas fora do período máximo de 5 anos, não estão disponíveis na íntegra ou então foram publicados em outra língua que não o português. 

Instrumento de coleta de dados

Levando em consideração tudo o que foi exposto até aqui, estabeleceu-se que seriam utilizadas as palavras chave “políticas públicas” AND “esporte” AND “inclusão social”. Para o processo de pesquisa bibliográfica foram utilizados os repositórios eletrônicos de instituições de ensino e bases de dados como Google Acadêmico, Semantic Scholar e SciELO.  

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O papel do Estado passou por diversas transformações com a passagem do tempo, deixando de estar centrado na segurança interna e na defesa externa contra ameaças inimigas para assumir a responsabilidade de promover o bem-estar da sociedade no contexto do Estado Democrático de Direito por meio de políticas públicas abrangendo áreas como saúde, educação, lazer e esporte (Simionato et al, 2022). Da parte do Estado cabe a efetivação de políticas públicas que assegurem a todos os indivíduos a promoção do bem estar (Cárdenas, Freire, Pumariega & Torres, 2022).

Caravage & Oliver (2018) argumentam que os direitos percebidos como necessidades da sociedade podem ser assegurados por meio de políticas públicas, que devem ser promovidas pelos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, cada um com responsabilidades delimitadas em relação a ações e propostas, manifestando-se na forma de programas, projetos, leis, campanhas e subsídios governamentais.

Na interpretação de Simionato et al (2022), as políticas públicas representam ações do governo para garantir e efetivar direitos previstos na Constituição Federal, bem como aqueles infraconstitucionais, o que é feito com base nos conteúdos concretos e simbólicos das decisões políticas, mirando a construção e materialização dessas decisões (Caravage & Oliver, 2018). Para Simionato et al (2022) a formulação destas políticas representa o estágio em que os governos traduzem seus propósitos e plataformas eleitorais em programas e ações concretas que visam gerar resultados e promover mudanças na sociedade. 

De acordo com Caravage & Oliver (2018) o processo de criação de uma política pública tem como ponto de partida uma movimentação que faça o governo entrar em ação ou alterar o curso de suas ações, o que ocorre por meio da participação de setores da sociedade, à exemplo de grupos de interesse e movimentos sociais. Segundo a Política Nacional do Esporte (Brasil, 2005), é responsabilidade do Estado incentivar o esporte e o lazer como direitos de cada cidadão, conforme estipulado no artigo 217 da Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1988). De acordo com essa política, o esporte e o lazer são considerados meios de promover a saúde, a inclusão social, o desenvolvimento humano e a identidade cultural, sendo organizados por meio de uma gestão democrática e participativa.

Cárdenas, Freire, Pumariega e Torres (2022) destacam que, por si só, os instrumentos legais não asseguram o acesso às políticas públicas de esporte e lazer. Assim, a mobilização social para reivindicar direitos e cobrar sua efetiva aplicação é de fundamental importância. Segundo a interpretação de Simionato et al (2022), desde a concepção até a execução, as políticas públicas passam por estágios que envolvem a definição de uma agenda, a formulação de políticas, a tomada de decisões, a aplicação e a avaliação. 

A definição de uma agenda requer a identificação de problemas a solucionar, como a necessidade de inclusão social, em que o esporte pode desempenhar um papel significativo (Simionato et al, 2022). Um exemplo desse processo é apresentado por Da Silva, Silva & Sampaio (2018), que destacam o tempo como uma das principais barreiras para o acesso às práticas esportivas e de lazer. Reconhecendo isso, a Prefeitura de Curitiba, no Paraná, ampliou o horário de acesso às infraestruturas urbanas dedicadas ao esporte e lazer, resultando em um aumento positivo na utilização desses equipamentos e na participação em atividades esportivas e de lazer. 

Além disso, Da Silva, Silva & Sampaio (2018) enfatizam a relação entre cidadania e o sentimento de pertencimento a espaços esportivos ou locais, como forma de promoção da interação entre o ser humano e o ambiente. Dessa forma, argumentam que a afetividade decorrente do acesso a parques esportivos permite que indivíduos ou grupos compreendam esses espaços como lugares significativos e dotados de sentido e pertencimento. 

Cárdenas et al (2022) destacam a importância de considerar o esporte e o lazer como práticas sociais ao abordar o conceito de políticas públicas sociais, descritas pelos autores como ações que definem o padrão de proteção social implementado pelo Estado, inicialmente direcionadas para a redistribuição dos benefícios sociais com o intuito de diminuir as desigualdades estruturais decorrentes do desenvolvimento socioeconômico. 

Caravage & Oliver (2018) acrescentam que as políticas públicas precisam ser intersetoriais, considerando a complexidade e diversidade das necessidades humanas. Parreira & Valim (2019) argumentam que a concepção tridimensional do esporte é uma configuração mais recente presente no texto constitucional, tendo em mente que antes da Constituição de 1988, o esporte de rendimento era reproduzido e disseminado tanto no ambiente escolar quanto fora do âmbito institucionalizado. A Figura 1 ilustra as diversas manifestações do esporte reconhecidas atualmente.

Figura 1 – Diferentes manifestações do esporte reconhecidas atualmente pelo texto constitucional

Fonte: Parreira & Valim (2019, p. 121).

Cádenas et al (2022) destacam que os problemas sociais podem ser alvo de uma política pública que, na teoria foi construída coletivamente, com o propósito de se encontrar uma solução, de forma a oferecer uma resposta a um problema público, ou seja, é preciso haver uma intencionalidade pública e um pacto coletivo em torno de uma solução. Caravage e Oliver (2018) descrevem graficamente como isto pode ocorrer (Figura 2). 

Figura 2 – Estrutura de uma rede de políticas públicas segundo Caravage & Oliver (2018)

Fonte: Caravage & Oliver (2018, p. 992).

Barra & Vitorino (2022) acrescentam que a avaliação de programas, quando baseada em rigor teórico-metodológico, pode ser uma ferramenta crucial nos processos de tomada de decisão, contribuindo para o desenvolvimento da cidadania ao possibilitar a melhoria das políticas públicas e, consequentemente, da qualidade de vida da população. Como exemplo da importância da mobilização social em torno de uma pauta, uma agenda, é possível mencionar a questão da inclusão social das pessoas com deficiência em programas esportivos, ou então a criação de políticas públicas de fomento ao esporte paraolímpico. 

Nesse contexto da valorização da diversidade, Caravage & Oliver (2018) defendem que a deficiência não deve ser abordada apenas como uma condição biológica e individual, mas como uma questão social e política, conforme o modelo social. Esse modelo considera que os determinantes da deficiência resultam da interação entre fatores biológicos, ambientais e sociais, manifestando-se por meio de acessibilidade, estigmas e preconceitos. De acordo com os autores, a valorização da diversidade deve ser entendida como parte intrínseca da condição humana, reconhecendo que diferentes grupos populacionais têm demandas e necessidades específicas que precisam ser atendidas para possibilitar sua plena participação na sociedade. 

Para Cárdenas et al (2022), as políticas públicas sociais devem ter como norte a equidade e a satisfação das necessidades básicas da população. Da Silva, Silva e Sampaio (2018) acrescentam que a democratização das atividades esportivas e de lazer também depende da programação e do acompanhamento de profissionais com formação específica, utilizando uma metodologia inclusiva para atuar nesse setor. No entanto, em sua pesquisa realizada em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, identificaram que apenas três parques contavam com atividades esportivas e de lazer orientadas por monitores, ressaltando a necessidade de ampliar essas iniciativas para promover a inclusão.

Destro (2019) argumenta que compreender como combater a desigualdade envolve investigar ações efetivas para reduzir a perpetuação da exclusão social. E diante das constantes circunstâncias discriminatórias vivenciadas pelas pessoas integrantes de grupos minoritários, à exemplo do silenciamento, minimização do problema ou a invisibilidade social, é de fundamental importância oferecer oportunidades para reconstruir a experiência pessoal, enfatizando práticas participativas que visem à construção de espaços para a recuperação da dignidade, indo contra a privação de capacidades e focando em ações cooperativas.

Neste sentido, Destro (2019) acredita que muitas políticas de inclusão focadas no esporte consideram apenas a falta de oportunidades ampliadas de lazer e diversão, deixando a questão social e de inclusão em segundo plano. Caravage & Oliver (2018) argumentam que, em muitas situações, devido à inacessibilidade aos mecanismos de produção no campo político, a maioria das pessoas fica excluída do processo de tomada de decisões políticas, sendo obrigada a aceitar o que lhes é disponibilizado pelas entidades produtoras. 

Soares Neto (2018) destaca que, para a consolidação de políticas públicas de lazer e intervenção social, é fundamental que os Estados e, principalmente, os Municípios, em colaboração com a União, oferecendo meios para que as pessoas desfrutem desse direito. Destro (2019) argumenta que argumenta que as discussões sobre o papel do esporte em políticas públicas para a juventude devem envolver uma concepção de cultura e participação como aspectos essenciais para enfrentar a desigualdade social, percebendo o jovem não apenas como receptor, mas como agente capaz de mobilização e intervenção social.

Uma questão abrangente que requer a atenção segundo Caravage & Oliver (2018) é promover uma educação que não apenas capacite as pessoas a atuar no cenário político, mas também para lidar com a descrença e estigma associados à política e a tudo que se relaciona a ela, considerando que a organização dos espaços políticos é fundamental para a participação popular nos processos decisórios, sendo necessário promover uma compreensão mais ampla e positiva sobre o papel da política na sociedade.

Soares Neto (2018) acredita que por estarem mais próximas da população em geral, as prefeituras desempenham um papel relevante ao buscar proporcionar o acesso dos cidadãos ao lazer, seja por meio do estímulo a ações públicas, parcerias privadas ou pela oferta de espaços destinados ao descanso, recreação, esporte e desenvolvimento de atividades culturais. Dentro desse contexto Destro (2019) sugere que o esporte seja visto como um antídoto para a ocupação do tempo livre, desafiando a concepção linear que associa a falta de lazer ao mundo do crime.  

Entretanto, Soares Neto (2018) reconhece o desafio de definir quais políticas públicas em esporte e lazer devem ser priorizadas e para quem, considerando as diferentes necessidades em comunidades, bairros, periferias ou vilas. Atualmente, o Brasil conta com as seguintes políticas públicas nesse âmbito, sendo elas a Lei ao incentivo ao Esporte, Bolsa-Atleta, Plano de Medalhas, Centro de Iniciação ao Esporte, Praça da Juventude, Atleta na Escola, Futebol Feminino e Programa Brasil Voluntário (Simionato et al, 2022).

Soares Neto (2018) destaca a importância de definir prioridades e necessidades, levando em conta a realidade socioeconômica, a infraestrutura física, os equipamentos públicos existentes e a formação de recursos humanos qualificados ao projetar políticas públicas para esporte e lazer nos municípios. Conforme Parreira & Valim (2019), durante a I Conferência Nacional do Esporte em meados de 2004, houve ampla discussão sobre o impulso de políticas de esporte e lazer voltadas para a inclusão social. 

No entanto, nesse período, a Política Nacional de Esporte ainda não conseguia garantir completamente o que estava estabelecido pela Constituição Federal de 1988. Como resultado desse cenário, reconheceu-se a necessidade de criar um Sistema Nacional de Esporte e Lazer, que seria um mecanismo abrangente englobando os três eixos esportivos. Esse sistema estaria vinculado a políticas nacionais que envolvem gestão participativa, controle social, recursos humanos, e financiamento e incentivo ao esporte (Parreira & Valim, 2019).

A Lei 11.438, conhecida como Lei do Incentivo ao Esporte (LIE), foi criada em 29 de dezembro de 2006, com o objetivo de incentivar e promover a prática desportiva. Os recursos financeiros destinados a essa finalidade estão vinculados à Declaração Anual do Imposto de Renda (IR), tanto para pessoas físicas quanto para pessoas jurídicas. Conforme estabelecido por essa Lei, as pessoas físicas têm a possibilidade de investir até 6% do imposto, enquanto as pessoas jurídicas podem destinar até 1% para projetos desportivos, visando estimular o apoio financeiro de diferentes segmentos da sociedade para o desenvolvimento de atividades esportivas e projetos relacionados (Brasil, 2006). 

A aprovação dos projetos ocorre por meio da Secretaria Especial do Esporte, e eles podem ser propostos por diversas entidades, incluindo pessoas jurídicas ligadas ao esporte, como instituições desportivas, confederações, federações, ligas, além de órgãos governamentais, como governos estaduais e prefeituras, e pessoas jurídicas do terceiro setor (Brasil, 2006). De acordo com Simionato et al (2022), buscando contornar os desafios relativos ao financiamento ao esporte, foram desenvolvidas propostas como o “Bolsa Atleta”, programa de financiamento do governo federal dedicado especificamente aos atletas de rendimento do país, ou seja, atletas que se enquadram na categoria de esporte de rendimento, sendo que o objetivo do programa é contribuir para a manutenção esportiva do atleta, favorecendo a sua participação em competições e evitando que o atleta precise dividir seu tempo entre um emprego e o treino. 

O Bolsa Atleta, mantido pelo governo federal desde 2005, é considerado um dos maiores programas de patrocínio individual de atletas no mundo, tendo por objetivo garantir condições mínimas para que os atletas possam se dedicar exclusivamente a competições de nível local. Desde 2012, pela lei 12.395/11, é permitido que os atletas tenham outros patrocínios, ampliando a possibilidade de aquisição da bolsa, inclusive para atletas consagrados (Simionato et al, 2022). Destro (2019) destaca que o esporte tornou-se uma das principais ferramentas de intervenção em políticas públicas para a juventude, sendo mais recorrente o interesse e o alcance dos jovens a esse meio. 

O esporte vem ganhando força em políticas públicas, parcerias público-privadas e organizações não governamentais, sendo visto como um meio de retirar crianças das ruas, combater a criminalidade e a violência (Destro, 2019). Cárdenas et al (2022) argumentam que o esporte possibilita que o indivíduo entre em contato com valores que propiciam condições de recuperação psicossomática e de desenvolvimento pessoal e social. A recuperação, nesse contexto, é entendida como a busca do prazer, um elemento fundamental que distingue essa vivência de outras manifestações sociais e culturais. 

Assim, de acordo com Cárdenas et al (2022) qualquer forma de lazer, incluiria a expectativa futura de auferir algum nível de prazer, independentemente do sucesso ou não dessa espera. Destro (2019) considera o esporte não apenas como uma prática social institucionalizada, mas também como uma oportunidade de dedicação ocupacional e profissional, sendo um importante mecanismo de controle social da juventude. E argumenta que o esporte não deve ser pensado apenas como meio para alcançar objetivos sociais, como aprendizado de valores morais, mas também como uma ferramenta capaz de afastar os jovens das drogas e da criminalidade.

Por outro lado, Da Silva, Silva e Sampaio (2018) reconhecem que, de forma geral, as ações políticas se apresentam como programas generalistas que buscam atender o maior número de pessoas, mas não todas as pessoas. Isto faz com que as políticas públicas muitas vezes sejam desenvolvidas com base em um modelo padrão de cidadão, excluindo historicamente as pessoas com deficiência do convívio social e da vivência dos diferentes bens culturais e serviços públicos, entre outros estratos da sociedade. 

O projeto “Esporte Esperança” da Prefeitura de Belo Horizonte é uma iniciativa exemplar que ilustra a influência positiva das políticas públicas de esporte no tecido social, particularmente na construção de comunidades mais resilientes. Este projeto foi especialmente desenhado para atender crianças e adolescentes em situações de vulnerabilidade social, buscando promover inclusão, saúde, bem-estar e desenvolvimento pessoal através do esporte. Além do desenvolvimento físico, o “Esporte Esperança” enfatiza o cultivo de valores importantes como trabalho em equipe, disciplina, respeito e responsabilidade. Por meio do esporte, o projeto serve como uma ferramenta poderosa de educação e desenvolvimento social, ajudando a moldar jovens mais conscientes e preparados para os desafios da vida.

A sustentabilidade e o impacto do projeto dependem em grande medida das parcerias entre a Prefeitura de Belo Horizonte, organizações locais, escolas e outras instituições. Estas colaborações são fundamentais para garantir recursos, apoio e continuidade ao programa. Além disso, essas parcerias fortalecem a integração comunitária, criando uma rede de apoio para os jovens participantes. Um dos impactos mais significativos do “Esporte Esperança” é no campo da saúde e do bem-estar dos jovens. Ao promover a prática regular de atividades físicas, o projeto contribui para a melhoria da saúde física e mental. Este aspecto é crucial, considerando que a atividade física regular pode prevenir uma série de doenças crônicas e tem um efeito positivo sobre o humor e a autoestima.

O programa Superar, implementado pela Prefeitura de Belo Horizonte, Brasil, surge como um exemplo emblemático. Este programa é dedicado a promover a inclusão e a integração social por meio de atividades esportivas, com foco especial em pessoas com deficiência. O Superar não se limita a proporcionar atividades físicas; ele também visa fomentar a saúde, a autoestima, a independência e a inclusão social dos participantes. O impacto do programa nas comunidades de Belo Horizonte é multifacetado. Primeiramente, ele serve como uma poderosa ferramenta de inclusão social. Através de esportes adaptados e atividades físicas, pessoas com deficiência encontram um espaço para participação ativa e engajamento na vida comunitária. Essa abordagem não apenas desafia as barreiras físicas e sociais enfrentadas por pessoas com deficiência, mas também promove uma maior conscientização e sensibilização dentro da comunidade em geral.

Por fim, o programa também contribui para a construção de redes de apoio e solidariedade dentro da comunidade. Ao reunir pessoas com e sem deficiência em atividades comuns, ele promove a compreensão mútua e cria laços fortes entre diferentes segmentos da população. Essas redes de apoio são fundamentais para a resiliência comunitária, especialmente em tempos de crise ou dificuldade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Promovendo uma reflexão sobre o papel das políticas públicas no contexto da inclusão social por meio do esporte, fica evidente a sua relevância como instrumento de transformação social. A Lei do Incentivo ao Esporte e o programa Bolsa Atleta são exemplos concretos do compromisso do governo federal em promover a prática esportiva e fomentar o desenvolvimento de atletas, proporcionando oportunidades para a inclusão social.

A Lei do Incentivo ao Esporte, ao permitir que pessoas físicas e jurídicas destinem parte de seus impostos para projetos desportivos, estabelece uma conexão direta entre a sociedade e o desenvolvimento do esporte, considerando que esta legislação não apenas contribuiu para viabilizar recursos financeiros, mas também para fortalecer a participação da comunidade na construção de um ambiente mais inclusivo e acessível para todos.

O Bolsa Atleta, por sua vez, é um marco no patrocínio individual de atletas, ao promover condições mínimas para que possam se dedicar exclusivamente às competições ao invés de precisarem dividir seu tempo entre um trabalho remunerado e os treinos. Além disso, a permissão para receber outros patrocínios, conforme a legislação vigente, amplia as oportunidades de apoio e reforça o comprometimento em reconhecer e incentivar talentos do esporte.

A intervenção do esporte nas políticas públicas para a juventude, por sua vez, reforça a importância do esporte como ferramenta de combate à criminalidade e violência, destacando seu papel na ocupação saudável do tempo livre dos jovens. Compreende-se que essa abordagem não só promove valores morais, como amizade e solidariedade, mas também se apresenta como uma alternativa eficaz na prevenção de comportamentos de risco.

Entretanto, é crucial reconhecer que o desafio da inclusão vai além do esporte, pois ainda persistem desigualdades e estigmas, especialmente no modelo tradicional de políticas públicas que tendem a seguir um padrão que exclui certos grupos sociais, à exemplo das pessoas com deficiência. Nesse sentido, é imperativo que as políticas se tornem mais abrangentes, considerando as diversas necessidades e realidades, promovendo uma sociedade verdadeiramente inclusiva.

Portanto, é possível afirmar que as políticas públicas desempenham um papel central na transformação social por meio da inclusão, pois pelo incentivo ao esporte, proporcionando oportunidades e reconhecendo a diversidade, é possível construir uma sociedade mais justa e igualitária. No entanto, a jornada rumo à plena inclusão demanda constante avaliação, adaptação e ampliação das políticas públicas, assegurando que todos, independentemente de suas características, tenham acesso aos benefícios transformadores do esporte e lazer.

REFERÊNCIAS

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Brasil. Política Nacional do Esporte. (2005). Ministério do Esporte. Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos. Brasília, DF: ME, p 1-24.

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Caravage, A., & Oliver, F. C. (2018). Políticas públicas de esporte e lazer para pessoas com deficiência. Movimento, 24(3), 987–1000. https://doi.org/10.22456/1982-8918.73957. 

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